domingo, 9 de agosto de 2009

HERING OU FRANCISCO

Formavam um belo casal. Ele era corretor imobiliário, nascido no Rio Grande do Sul, e ela, cearense, professora do curso de Letras. Os primeiros anos do casamento foram repletos de felicidade. Em termos financeiros, levavam uma vida folgada para os padrões de classe média. Sempre que tinha oportunidade, ele gostava de chocar as pessoas dizendo-se ateu.

Com o nascimento do primeiro filho, que foi o único, a sogra sugeriu-lhes dar o nome de Francisco à criança, em razão de o menino ter vindo ao mundo em quatro de outubro, dia do aniversário do Taumaturgo. Esse foi mais um dos motivos que levou a discórdia entre genro e sogra, o que perdurou pelo resto de suas vidas. Na verdade, o menino recebeu o nome de Hering Strauss de Albuquerque, como convinha aos descendentes de alemães, de onde deitavam as raízes familiares do pai.

É fato que, por essa época, o país entrou em uma crise econômica, motivada pela alta taxa de inflação, e o setor imobiliário foi um dos mais afetados pela ausência de transações comerciais. Com a refração do mercado imobiliário e a fuga de clientes, a crise ingressou no lar dos Strauss.

Vale mencionar que, desde o início da paquera, o corretor tinha ciúmes de sua, então, bonita namorada. A questão financeira só veio agravar o relacionamento do casal, fazendo com que o pai de Hering ingerisse, cada vz mais, bebida alcoólica.

Uma noite, após ela ter demorado um pouco para retornar da faculdade para a casa, eles discutiram acirradamente e foram às agressões físicas. Ao revidar uma bofetada, ela jogou a mão no rosto do marido, ferindo-o com as unhas. Descontrolado emocionalmente, ele sacou o revólver e atirou na esposa, que caiu desfalecida. Ao constatar que havia assassinado a própria mulher, não teve dúvidas: apontou a arma para a própria cabeça e disparou, morrendo instantaneamente, diante do filho de quatro anos.

A cidade ficou abalada com a notícia da tragédia. A guarda da criança foi entregue aos avós maternos por determinação judicial. O menino foi matriculado no colégio Santa Clara e ficou assistido pela psicóloga do estabelecimento de ensino, conforme sentença prolatada pelo juiz da comarca.

Em seu primeiro dia de aula, a professora do jardim de infância disse que iria apresentar, a todos na sala, retratos de pessoas que ela qualificava de muita importância para o conhecimento dos alunos. Caso eles reconhecessem as figuras, levantassem as mãos e dissessem os nomes. A professorinha, então, passou a levantar algumas imagens de políticos, artistas, escritores e santos. Ao erguer uma imagem de São Francisco, apenas Hering o reconheceu, fazendo ecoar em bom som por toda a sala:

- Este eu conheço. Foi ele quem me segurou no colo quando o papai atirou em minha mãe e, depois, em sua própria cabeça.

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